O Dão caminha a passos largos para se afirmar como uma região de vinhos elegantes. Mais do que auto-proclamação, é uma questão de reconhecimento. E quando falo em reconhecimento, refiro-me também àquele alcançado fora dos limites do país, seja pelo sucesso nas principais feiras mundiais ou pela procura do capital estrangeiro para investir na DOC. Nos últimos anos, impressiona o número de investidores, a maioria brasileiros, que vêm realizar o sonho da produção de vinho no Dão.
Um dos maiores atrativos talvez seja o pensamento de que a região reuna as condições necessárias para se produzirem vinhos “tal qual a Borgonha”. Como amante e profunda estudiosa da região francesa, preciso discordar dessa afirmação: o Dão é o Dão! Os vinhos são elegantes e convincentes, e devem ser propagados como uma identidade e expressão de… Portugal! Vamos assumir o nacionalismo? Os detalhes do terroir e potencialidades, é o que ressaltaremos a seguir.
Cercado por montanhas, o Dão protege-se do clima marítimo do oeste bem como das condições áridas e quentes que vêm do leste e do sul. A chuva é abundante, mas limita-se ao outono e inverno, permitindo verões secos, uma benesse para atingir uvas em perfeito estado à altura da vindima. Vinhedos plantados entre os 200 e 900m (a maioria está entre 400-500m) também beneficiam-se da amplitude térmica diária, favorecendo à maturação adequada mas sem detrimento à frescura.
O solo é granítico e em texturas variadas, pobre em matéria orgânica e com boa drenagem. Digno de nota também são as florestas de eucalipto, cujo aroma é claramente perceptível nos vinhos, a ponto de tornar uma assinatura do Dão.
Tradicionalmente, os vinhos do Dão eram mais austeros, e precisavam de envelhecimento para exaltar as suas potencialidades. Se tens a sorte de te deparar com um vinho antigo do Dão, não perca a oportunidade de prová-lo! Atualmente, o perfil, de forma geral, mudou para vinhos mais frutados, com taninos mais aveludados, alguns para consumo mais rápido, mas com belos exemplares com potencial de guarda.
O vinho tinto perfaz 80% da produção, e as castas mais vistas nos rótulos são Touriga Nacional, Tinta Roriz, Jaen e Alfrocheiro, muito frequentemente em blend. Mas como tudo é cíclico, uma casta tinta vem ganhando força e destaque: é a Tinta Pinheira, também conhecida como Rufete. As suas características, outrora indesejadas, de pouca cor, presença de um componente vegetal sobreposto à fruta e falta de aptidão para a barrica nova, são a onda do momento no desejo dos consumidores e, consequentemente, no trabalho da adega.
Dentre as castas brancas, Encruzado é a rainha absoluta, um posto merecido devido à alta qualidade dos seus vinhos. A afinidade por fermentação e estágio em madeira, com trabalho sobre as lias ou borras finas, contribuíram para a ideia de semelhança à casta Chardonnay na Borgonha, conforme citado anteriormente. Mas Encruzado é Encruzado, apresenta corpo sem perder a frescura, uma fruta que passeia da cítrica à de caroço (pêssego), e tudo isso com um bem-vindo toque floral.
Como resistir? Mas como nenhuma grande região vitivinícola é feita de uma casta só - nem a Borgonha! - o Dão ainda apresenta brancos sensacionais feitos com Malvasia Fina, Bical e Cercial, na maioria das vezes em blends, mas também monovarietais, como o ótimo Cerceal da Quinta de Dona Sancha.
E depois de tantos predicados, alguém aí ainda vai ficar sonhando com a Borgonha?
Brindemos ao Dão!!